Analitics

sábado, novembro 17, 2007

As time goes by...

Quando finalmenmte resolvo colocar a mão na massa e ajustar algumas coisas da mudança para o apartamento novo, vejo que remexer em velhas gavetas pode nos guiar para viagens no tempo. Por pouco não mandei para o lixo, sem ver, um texto que escrevi há mais de quatro anos, num momento de fossa profunda, mas do qual eu nem me lembrava de ter rabiscado.

Foi escrito após um pé na bunda que levei do primeiro homem por quem eu me envolvi emocionalmente. Eu realmente estava sem chão na época (muito embora eu tenha pintado a situaçao em cores mais intensas que as da realidade).

Como na época eu ainda era muito neurado, e talvez por medo de que alguém o lesse inadvertidamente, dei à personagem central o nome de uma garota por quem eu tinha sido apaixonado na faculdade, no tempo em que eu (achava que) era hétero.

Deu até vontade de fazer umas pequenas alterações no texto, mas prefiro transcrevê-lo exatamente como eu o reencontrei. Tenho algumas escritas como registros históricos e alterá-las seria como deturpar uma retrato antigo. Ainda mais porque o olhar diferente do "futuro" já nos faz enxergar muita coisa que não víamos no "passado" sem precisar alterar a fonte.

Interesante é notar como essa pessoa, que já foi protagonista da minha história, atualmente não faz nem figuração na minha vida. Mas, enfim, como recordar é viver, achei que seria interessante postar o texto aqui, para que ele não corra de novo o risco de ir pro lixo inadvertidamente.


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Eclipse

(06/05/2003)

Lar, triste lar. Aqui estou eu para aumentar o seu vazio. Parece que as coisas nunca mudam por aqui. Não importa se eu saio de casa logo cedo, faço um monte de coisas na rua. É só voltar e ver que tudo está do mesmo jeito. Os papéis desarrumados rigorosamente na mesma ordem. A camisa de anteontem debaixo da camisa de ontem, que vai ficar debaixo da de hoje. Os CD’s nas mesmas caixas trocadas. È claro. Não dava pra eu querer que, num passe de mágica, eles resolvessem sair voando e entrando cada um em seu devido lugar. As coisas não acontecem num passe de mágica.

Me lembro que Lígia era o sol. Mas não apenas numa acepção puramente romântica. “Você é meu sol.” Não. Dá pra fazer uma análise minuciosa sobre Lígia-sol. Antes de mais nada, ela era o coentro de tudo. Todas as decisões vinham dela. Trocar de vídeo ou comprar um DVD? Comida mexicana ou japonesa? Papai-e-mamãe ou Jô Soares? Ela centralizava tudo. “Você tem mais com que se ocupar. Cuide do seu trabalho que eu cuido da casa.” E chamava para si todos os afazeres. Concentrava tudo. E eu só me concentrava nela, me desconcentrando de todo o resto. Centro das minhas atenções, dos meus pensamentos, da minha razão.

Ela era o sol também que iluminava. Um brilho forte, capaz de ofuscar. “Abra seus olhos; estão te passando a perna.” E não é que estavam mesmo? “Você não pode continuar assim desse jeito, sem cuidado. Já olhou seu colesterol?” Estava a ponto de ter um ataque cardíaco e nem sabia. Só ela mesmo pra enxergar meu coração sofrido por detrás de tanta gordura. “Você precisa de férias. Anda muito tenso. Peça um atestado para aquele seu amigo médico. Uma semana.” Fomos para Salvador. Ela queria ver o mar. Eu só queria vê-la brilhar ainda mais. Ver aquele sorriso aberto, os olhos em brasa, a pele radiante.

Lígia era quente. Ela era o sol mais uma vez porque me aquecia. Quando estávamos juntos não havia inverno, não havia sombras, não havia frio. Éramos um. Seu corpo era uma fonte inesgotável de energia, Seu toque era capaz de incendiar. Aquela mãozinha pequena... quanta força! E os lábios? Me transportavam para outra dimensão. Para um mundo só nosso. Onde tudo acontecia ao nosso bel prazer. Ah, quanto prazer. E que tudo mais fosse pro inferno. Pois o inferno não podia ser mais quente que nossa cama, que nosso sexo. Não podia ser mais quente que o sol. E o sol é Lígia. Meu sol. Meu calor. Minha luz. Meu centro de gravidade.

Acabou. Um eclipse permanente. Ela se foi. E eu perdi o rumo, perdi o norte, perdi a orientação. Como posso prosseguir se não vejo mais o caminho? Para onde ir se não há mais direção? Se ela ao menos tivesse me deixado um manual de instruções: “Como viver a sua própria vida sem mim”, talvez fosse mais fácil. De todo jeito continuaria sendo ela, mesmo que à distância. Controle remoto. Mas nem isso...

Hoje sobrevivo por inércia. Quer pasar por mim, que passe. É inanimado? Pois que fique onde está. E me deixe no meu crescimento vegetativo. Como aquelas algas subaquáticas que sobrevivem sem a energia solar. Deixo tudo como está. Não quero mudar. Não tem mais porquê. Vou deixar meus cacos espalhados pelos cantos escuros, onde já não há mais luz.

Agora vou dormir. E quando acordar, as coisas estarão no mesmo lugar. A única coisa diferente vai ser o dia. Ou melhor, a data. Os dias têm sido sempre iguais. Eles não mudam. Nada muda. E não mudo. Continuo fugindo da vida. Parado, aqui, no mesmo lugar. Esperando por um passe de mágica. Esperando o sol nascer. De novo.

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Pra combinar com o texto, vai o Youtube abaixo, involuntariamente sugerido pelo Ricardo.



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