Analitics

sábado, dezembro 15, 2007

Breakfast



Acordar sozinho aos sábados era algo diferente para ele. Via de regra, as noites de sexta-feira eram passadas com o namorado. Até porque o namorado, que mora do outro lado da cidade, trabalhava sábado de manhã num local perto de sua casa. Então, as noites de sexta-feira em sua residência sempre uniam o útil ao agradável... literalmente. Só não gostava do fato de que, nos sábados em que não trabalhasse pela manhã, o namorado não dormia com ele às sextas. E, nessas horas, começava a se questionar se, para no namorado, o que lhe importava mais seria o útil ou o agradável. Um tipo de pensamento que não era nada agradável. Mas como por muito gostar, por muito querer, por pensar amar... evitava esse tipo de questionamentos.


Naquele sábado, porém, sentiu sua falta ao seu lado na hora de acordar. Sentiu falta de irem à padaria e comprarem o pão quentinho. Sentiu falta do seu café, do qual nunca abria mão. Sentiu falta de namorar de manhã, antes de ele ir para o trabalho. E por não ter talento, nem vontade, de refazer a rotina sozinho, preferiu fazer o desjejum na rua mesmo.


Foi a um café, que normalmente freqüentava à noite, em happy hours com os amigos de trabalho. Há muito queria ir lá pela manha, conhecer as novidades do cardápio, sempre com opções de muito bom gosto. Trouxe para sua mesa um jornal, a fim de ter algo interessante pra ler enquanto não chegava o seu pedido.


Pediu uma cesta de pães, com duas ciabatas e um croissant. Para acompanhar, uma pasta de azeitona e presunto e outra de tomate seco. Para beber, um café especial, com chocolate derretido nas bordas. Sobre a espuma clara, um usual desenho de folhas sobre o café e, para sua surpresa, um desejo de "bom dia" escrito pela barista, tudo feito com calda de chocolate. Sorriu, achando graça naquilo, e quase ficou com pena de estragar o mimo matinal enfiando a colherona xícara adentro.


Seus olhos fitavam ora o café, ora o croassant, ora o jornal, ora a ciabata. Enquanto isso, outros olhos o fitavam, duas mesas à frente. Era um rapaz bonito. Aparentava ter pouco menos que sua idade... uns três anos no máximo. Tomava o seu café ouvindo algo em seu iPod de fones brancos nos ouvidos. A barba rala se destacava na pele clara do rosto. E tinha olhos pequenos, provavelmente castanhos. E tinha um olhar que, vez por outra, pareciam tentar roubar a atenção daqueles que transitavam entre o jornal e a cesta de pães.


O rapazinho já estava lá quando ele chegou e não foi à toa que escolhera aquela mesa para fazer o seu pedido. Aliás, todas as vezes que chegava a algum local, sempre que procurava algum lugar para se instalar, tentava achar uma posição que lhe garantisse uma boa visão. Na hora da refeição, que mal haveria em alimentar também os olhos? Pois ao chegar ao café já tinha notado aquele rapaz vestido com a camisa de um time de futebol. Aliás, era a camisa do time rival ao seu, mas, mesmo assim, não poderia negar que homens com camisa de time de futebol – qualquer que seja – ganham um charme a mais. Usava ainda uma bermuda cargo e sandálias de quem também foi tomar café fora de casa pra não ter trabalho sábado de manhã.


Sentou-se naquele lugar sabendo que teria uma visão interessante para acompanhar o seu café. Não sabia que teria olhares te observando de volta. Quando percebeu, entre uma gole e outro de café, os sorrisos tímidos em sua direção, assustou-se... e animou-se também. Um tempero inesperado e gostoso para sua manhã.


Mas enquanto ele começava a sua refeição, o rapazinho já estava no meio da dele. E enquanto o rapazinho terminava o seu café, parecia incomodado pelo descompasso entre o timing das duas mesas. O rapazinho, sempre discretamente, fez um leve sinal com a cabeça, como que a indicar a saída. Ele percebeu e mostrou ter captado a mensagem. Mesmo assim, manteve-se entre suas guloseimas - aliás, deliciosas guloseimas matinais. O rapazinho levantou-se e, ao invés de sair diretamente, parou para ver os outros jornais disponíveis para leitura no local, próximo ao caixa. E por ali ficou, o tempo necessário.


Ele terminou o seu café, fechou o seu jornal e foi devolvê-lo ao local adequado, justo onde estava o rapazinho. Chegaram ao caixa juntos. Pagaram as respectivas contas. Logo estavam ambos na rua, na porta do café. E seguiram na mesma direção, sem trocar palavras. Ele resolveu reparar melhor o rapazinho e, assim, mais de perto, lhe pareceu ainda mais interessante. Andaram próximos por alguns metros. Estavam lado a lado. E, como não estavam mais frente a frente, uma nova troca de olhares precisaria ser menos “casual” que aquelas de dentro do café. Uma nova troca de olhares seria como um passo à frente, um abrir de portas, um sinal que ultrapassaria o mero acaso e serviria de confissão – ou de convite. Por mais que estivesse clara, para ambos, toda a comunicação não verbal ocorrida até então, uma nova troca de olhares significaria uma iniciativa... que não aconteceu.


Na esquina seguinte, cada um seguiu por um caminho diferente. Ele ainda pôde ver o rapazinho entrando num prédio, que deveria ser o de sua casa. Fez questão de reparar onde era e gostou de pensar que moravam próximos um do outro – quem sabe não voltariam a se ver algumas outras vezes?


Pensou num tipo de reclamação que já ouvira várias vezes de alguns amigos, que vivem se queixando de não encontrar ninguém bacana. Amigos que sonham conhecer uma pessoa fora de qualquer local segmentado, como na boate GLS, no bar GLS, na pegação GLS, ou coisa parecida GLS. Querem conhecer na fila do cinema, nos corredores do supermercado ou, quem sabe, num café pela manhã. Bem, o rapazinho pareceu ser um desses caras dos sonhos desses amigos – que um dia foram seus sonhos também – se materializando pra pessoa errada, ou na hora errada.


E continuou seu caminho sozinho e satisfeito. Satisfeito com o café, as ciabatas, o croissant e o rapazinho – este último o tempero perfeito para uma manhã que se prometia um tanto melancólica. E, mais ainda, o tempero na dose certa, pois este flerte inofensivo (sem atos concretos nem promessas futuras) é o máximo que se permitiria sendo um homem comprometido.


Foi para casa certo de que, se pudesse voltar no tempo, não mudaria o desfecho deste episódio. Até porque, no final daquela mesma manhã, ficou feliz por receber a visita do namorado, e por namorarem intensamente antes de almoçarem juntos.

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